quinta-feira, 20 de setembro de 2012

PADRE SALOMAO

(no palco:- Salomão Morgado, José Silvino, José Maria, Anibal Moreno, José Joaquim)

O Manuel Mestre e o José Maria, já me tinham alertado que havia alguém á minha procura e eu intrigado perguntei-lhes quem era, mas comprometidos, eles mantiveram-se calados, na expectativa de me causarem surpresa.

Vi depois aparecerem na porta do clube, o José Silvino, a Graça Sousa e o Virgílio "russo", mas até aí tudo bem, não havia qualquer surpresa, para além de os ver por ali aquela hora da noite.

De súbito vi aparecer á porta, um homem de cabelo e barba grisalha extremamente magro, de voz calma, que aproximando-se de mim me perguntava: -Então já não me conheces? ... estás diferente, o que é feito daquela trunfa toda que tinhas na cabeça? ... não me digas que não me conheces?...

Cumprimentámo-nos sem que eu conseguisse descortinar de quem se tratava. A presença do Virgilio, fazia-me rebuscar na memória os amigos de infância que sabia emigrados em França, mas nenhum deles condizia ... até que ele desfez as minhas dúvidas, dizendo, sou o Salomão, já não te lembras de mim?

Emocionado voltei a cumprimentá-lo, abraçando-o. Claro que me lembrava. Foi há mais de trinta e cinco anos que ele saiu de Conceição de Faro, onde era o pároco.

Uma história triste de incompreensão e intolerância fez com que fosse afastado das funções que exercia na nossa paróquia e consequentemente de Conceição de Faro.

Mais tarde viria também a abandonar a vida sacerdotal, regressando á condição de civil.

Neste breve reencontro aproveitámos para recordar algumas actividades que ele juntamente com o Grupo Cultural e Desportivo, desenvolveu na Casa do Povo, como foram, o teatro e o jornal "Choque".

O José Silvino recordou aquele dia em que o padre Salomão, ao terminar a missa de domingo, se dirigiu para a sua bicicleta e a encontrou sem a roda da frente.
Alguém, para o arreliar, furtara a roda impossibilitando-o de usar a bicicleta motorizada, para o regresso a Faro.

Outro amigo que entretanto chegou para o cumprimentar  recordou que ele lhe tinha baptizado as duas filhas na mesma ocasião gratuitamente. Aliás, era sua pratica corrente, não cobrar ás pessoas com menos condições financeiras, qualquer importância pelos seus serviços.

De recordação em recordação, chegou a hora da despedida, com mais um abraço e um até breve.

Até á próxima amigo Salomão Morgado e obrigado pela visita.

Obrigado também aos amigos que me porporcionaram este belo momento, fiquei deveras emocionado.


quarta-feira, 5 de setembro de 2012

LANÇAMENTO DE CARTILHAS

"... arriscada coreografia de gestos e fogo..."


As cartilhas eram artefactos de fogo de artificio, em tudo iguais aos foguetes conhecidos como morteiros, isto é, com um rastilho maior e uma única bomba.

A diferença é que em vez da cana ou vara que ajuda a direccionar o foguete para o ar, tinham um taco de madeira que as obrigava a rebentar no chão ou ocasionalmente no ar se não eram largadas a tempo.

Assim, eram arremessadas á mão para este ou aquele lugar, ficando a revoltear no chão, até rebentar.

Por vezes, algum arremessador mais malicioso retirava-lhes o taco e a cartilha tornava-se perigosa porque não se mantinha junto ao chão, serpentando quer pelo chão quer pelo ar, resultando maior perigo para as pessoas por ser imprevisivel o local onde iria rebentar.

Usadas para festejar a noite da véspera de S. João, até quase ao final do século XX, dada a sua perigosidade, acabou por ser interditado o seu fabrico e consequente uso.

Na nossa freguesia de Conceição de Faro, eram famosos os combates de cartilhas de Bela Curral que ocorreram até meados do século passado.

O grupo de Bela Curral tinha como oponente o grupo de Pechão e a coisa era renhida até um dos grupos desistir normalmente por falta de cartilhas.

A festa começava no "mastro" que se fazia nas traseiras  do famoso baile de Bela Curral, no armazém do José Bárbara e já depois da meia-noite quando o baile terminava, dava-se então o combate de cartilhas, em plena estrada.

Certa vez, os homens das cartilhas resolveram terminar um pouco mais cedo com o baile, arremessando duas cartilhas para o interior do "mastro", o que fez com que toda a gente saísse apressadamente no meio do maior alvoroço e sobressalto.

Cá fora, os homens davam inicio ao combate, exibindo-se com o manuseamento simultâneo de duas cartilhas, uma em cada mão, que depois arremessavam na direcção uns dos outros.

Um dos maiores entusiastas das cartilhas de Bela Curral, era o Ti Casimiro que durante todo o ano amealhava o dinheiro que podia, para no S. João, comprar nada mais menos que um grande saco de cartilhas.

O manuseamento das cartilhas carecia de alguma coragem e perícia.

Assim, como a mecha demorava alguns segundos a arder até se dar o rebentamento, os homens exibiam as suas habilidades segurando no taco, ao mesmo tempo que revolteavam a cartilha á sua volta, numa arriscada coreografia de gestos e fogo, só a soltando, no ultimo segundo antes do rebentamento.

Por vezes sucedia que por a mecha arder um pouco mais rápido que o calculado pelo lançador, a cartilha rebentava ainda na sua mão.

Se a cartilha estava correctamente segura pelo taco, não havia grande problema para além de alguns pelos da mão e braço chamuscados.

Pelo contrário, se o utilizador ignorava as regras elementares de segurança, não segurando apenas no taco e a cartilha rebentava na sua mão, dava-se o acidente, esfacelando mão e dedos.
Raras não eram as vezes que os próprios tacos das cartilhas atingiam quem estivesse por perto na altura do rebentamento, causando alguns ferimentos.

Estoi, foi a freguesia do concelho de Faro, onde esta tradição das cartilhas pelo S. João, perdurou por mais tempo, só terminando há bem poucos anos, após a completa interdição de fabrico e venda das cartilhas.

Eram verdadeiras multidões que na noite de véspera de S. João se juntava em Estoi, para assistir ao famoso combate de cartilhas.